Talvez Fossemos Outras

Em “Talvez Fôssemos Outras”, somos apresentados a uma miríade de personagens aparentemente normais que, no entanto, terminam enveredados em estranhas situações tecidas nas tramas da própria sorte. Para dizer como Mallarmé, em “Um Lance de Dados”, eles são “vítimas do fantasma dum gesto que oscila até cair na loucura”. Embora nem todos enlouqueçam de fato, os contos nos conduzem pelos sutis assombros de nossos movimentos cotidianos. Gestos fantasmagóricos e indecifráveis como os anseios astrais de Fabrício em “Encanto de Ocasião”, os movimentos de pescoço de Ana Maria no conto “Genealogia”, ou, ainda, os espasmos da língua críptica do bombeiro Mário em “Instalação Sanitária”. Mesmo as estórias mais interessantes tornam-se banalidades quando narradas por vozes pouco habilidosas. No entanto, quando um escritor tem curiosidade, ouvidos atentos e interesse pela vida, ele é capaz de nos presentear com uma visão singular e profunda sobre o mundo. Os textos aqui reunidos demonstram a capacidade de Renata Ferri em expressar essa visão, dominar a estrutura selvagem do conto e produzir a tensão necessária para que resplendam as formas breves da literatura: não é pouco para um livro de estreia. Alex Sugamosto